sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Gender Trouble


Who's who
by Studio Fludd


"Não basta sentir-se como mulher e uma operação para ser mulher" comentava alguém a um artigo do The Guardian, onde Zoe Dolan falava da sua experiência como mulher transgénero e da forma quase inevitável como terminavam os seus encontros com homens no momento em que lhes dizia que estava a fazer a transição: mal. No caso que relata, acabou mesmo com a pessoa numa postura muito agressiva. E no entanto, a maioria dos comentários eram dirigidos contra ela, porque ela o enganou, porque lhe mentiu quando no primeiro momento que estiveram juntos não lhe disse que era transgénero. Mas toda a gente fala de todos os factos dolorosos e embaraçosos do seu passado no primeiro encontro? Levam uma lista de qualidades, defeitos e carta de apresentação? Já estou a imaginar um documento plastificado, com a melhor fotografia, lista de alergias e doenças que podem passar para os possíveis futuros filhos.

Afinal o que faz de uma mulher, uma mulher? Uma vagina? Há mulheres que têm uma e não se sentem mulheres. E também há mulheres que têm uma, gostam de ser mulheres e ainda assim debatem-se ao longo da vida sobre o papel que como mulher devem ter, porque a referência que tiveram das mães já não lhes serve. Alguém decidiu encerrar o assunto com uma definição de um dicionário: uma mulher/fémea é o sexo que produz óvulos e tem prole. É assim tão fácil definir o que uma mulher é? E uma mulher com cancro que tenha que extrair os ovários, ou uma mulher que seja infértil, ou infâmia das infâmias, uma mulher que não queira ter filhos? Acredito, deve ser uma benção ver o mundo a preto e branco.

Conheço quem trabalhe de perto com pacientes transgénero e a realidade é dura. Nascem com um corpo com que nunca se identificam e até à transição contentam-se com relações homosexuais que quase sempre terminam no momento que em que fazem a transição. Se no caso de mulheres que mudam para homens o futuro é mais promissor, maioria arranjam companheiras que aceitam o seu passado, ao contrário é dramático. A um homem que faça transição para mulher espera-lhe quase inevitavelmente uma vida muito solitária. Sentindo-se como mulher e com o corpo de mulher que sempre quis, não há homem que consiga abstrair-se de ter nascido com um pénis, mesmo que já não esteja lá.

Pessoalmente, não sei como sentiria se me apaixonasse por um homem e depois soubesse que tinha sido mulher. Talvez não haja forma de o saber sem alguma vez passar por isso. Acho que todos temos direito ao nosso preconceito e a transexualidade e a androginia confrontam-nos com os limites do conhecido e é perfeitamente aceitável que cause desconforto. Chegar a um lugar onde não há referências é assustador. Mas eu encaro isso como uma limitação minha, da sociedade onde estou inserida e fui educada e não como um problema da pessoa transgénero. Se se sente mulher, tem corpo de mulher, não pode ser uma mulher porquê? Deverão os transgéneros usar um sinal na testa para nos fazer a todos sentir seguros com a nossa sexualidade sem termos medo de nos apaixonarmos livremente num bar, sem o susto de nos poder calhar na rifa um trans?

2 comentários:

  1. Quero pensar que conseguiria ser na prática como sou em teoria: nada preconceituosa. Mas não sei. Mas sei que nunca iria ser violenta ou magoar propositadamente alguém. E é isso que eu não percebo: nada nos obriga a gostar de alguém, nem a concordar com o seu modo de vida e escolhas. Mas respeitar é o mínimo que podemos fazer e isso é tão fácil...

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    1. Para mim a questão nem era o rapaz ser obrigado a envolver-se com ela. Ele também tem direito a ter os seus limites. No entanto reagiu de forma violenta e as pessoas nunca mencionaram isso, antes referiam-se a ela como ela tendo mentido porque deveria ter posto as cartas na mesa logo ao inicio. Acho isso utópico e pouco empático. Ela tentou prolongar o assunto delicado o máximo, mas efectivamente parou o envolvimento físico para lhe falar nisso. Penso que naquele caso em específico ela ainda tinha genitália masculina, mas mesmo que não tivesse, não creio que tivesse feito muita diferença.

      Respeitar é o mínimo mas neste tipo de discussões, sobretudo com o anonimato do online, as pessoas mostram-se tão preconceituosas e tão pouco empáticas que faz confusão. Qualquer coisa se transforma facilmente numa guerra porque as pessoas não estão disponíveis para debater nada.

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