terça-feira, 25 de agosto de 2015

The Wonder Years


The Wonder Years
by Louvado Seja Design

Quando era adolescente enviava cartas às embaixadas (via a morada na lista telefónica!) dos países pelos quais tinha mais curiosidade, pedia-lhes informações e eles enviavam-me folhetos e brochuras que eu namorava religiosamente durante anos. Além disso tive correspondentes no Brasil, no Japão, em Itália. Alguns tenho hoje em dia no facebook mas confesso, sem a mesma mística. A mística de conhecer o Mundo eu entendo-a bem, mas não tinha dinheiro. É um mal português, eu entendo.

Lembro-me da minha correspondente italiana (que hoje em dia trabalha em turismo) relatar as viagens que fazia com os pais a Paris, a Roma, a Londres e eu pensar a utopia de me imaginar com os meus pais numa capital europeia. Irmos jantar fora a Lisboa já era um luxo. Mais tarde na faculdade quis muito fazer Erasmus. Candidatei-me dois anos e não entrei, tentando ignorar o facto de que mesmo que entrasse não saberia como me ia safar num país estrangeiro com o dinheiro que recebia de bolsa. Desejei muito estudar e trabalhar fora, mas não tinha dinheiro e desejava igualmente muito a minha independência. Guardo uma certa mágoa por esse desencontro de oportunidades: quando tive dinheiro já não me apetecia ir conhecer o mundo, estava numa relação estável e queria apostar nela, não numa estadia no estrangeiro. Hoje em dia tento compensar isso viajando, mas não deixo de sentir que as circunstâncias são irrepetíveis. Quando volto de férias, apetece-me tirar férias para descansar das férias. Não é uma queixa, mas é a realidade. Este ano sentia-me tão cansada que optei por não viajar. O tempo era aquele.

O dinheiro vivo publicou um artigo sobre a tendência de parar durante um ano para ir viajar de mochila às costas. Algumas pessoas tinham viajado por um continente específico, outras por vários, outras tinham acabado por arranjar emprego durante a viagem, outros voltaram, alguns ainda não tinham trabalho. Uma pessoa teve a coragem de falar em valores: 17000€ por um pouco mais de um ano a viajar pelo continente asiático. Eu acho que é preciso coragem para se falar em valores porque rapidamente surgem comentários críticos em relação a quantas pessoas em Portugal não têm 17000€ para ir viajar como bem lhes apetece. Não deixa de ser verdade. Mas também é verdade que mesmo quem tem essas poupanças pode decidir comprar um carro novo, abater no empréstimo ou simplesmente guardá-las como segurança para o próximo imprevisto. Sendo que o imprevisto pode ser o desemprego.

Lembro-me de uma amiga que planeou durante algum tempo a sua ida para Londres. Nós trabalhávamos juntas, ela até gostava mais de lá trabalhar do que eu, mas mantinha uma grande curiosidade em trabalhar no estrangeiro. Foi algumas vezes a Londres fazer entrevistas, arranjou emprego e na véspera de ir de vez, estava em pânico. Apetecia-lhe desistir de tudo. Só pensava na loucura que estava a fazer, deixar tudo para trás. Mas foi e adorou e Londres é a sua segunda casa, senão mesmo a primeira. A dada altura, grande parte dos meus amigos próximos estavam em Londres a trabalhar. Maioria voltaram, compraram casa e tiveram filhos. Depois disso, outros com casa comprada e filhos começaram a sair para o estrangeiro, mas por motivos pouco aventureiros: não tinham outra opção. Foi por pura necessidade e falta de oportunidade profissionais aqui.

Conhecendo alguns casos de quem procurou estudar ou trabalhar no estrangeiro em todos encontro algumas semelhanças: é certo que todos tiveram coragem de mudar e de arriscar, às vezes deixando para trás algumas situações profissionais estáveis (que convenhamos, são mais fáceis de deixar quando se tem 25 anos do que quando se tem 35). Mas também todos tinham uma rede familiar e financeira à qual sabiam que podiam voltar. Nem que fosse voltar à casa dos pais. E eu gosto muito de viver na minha casa.

5 comentários:

  1. Às vezes tenho pena de não ter saído do país. Acho que me ia dar bem lá fora. No meu caso foi a família e a necessidade que tenho de lhes dar apoio que me fez deixar de pensar nisso. Mas ainda hoje, às vezes, penso nisso.
    Gostei muito deste teu texto...

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    1. Eu nem sei, já me senti de formas diferentes em relação a este assunto. Agora que tenho a minha casa, a minha relação, a minha gata, os meus pais a 10 min a pé, os meus avós no caminho casa-emprego, os meus sogros a 5 min de carro não sei o que poderia ser mais prioritário que isto. Só se estivesse aqui mal. Aí sim, acho que arranjava coragem para mudar e tentar tudo de novo. E tenho amigos que fazem isso mesmo, largam tudo, ainda este ano um casal amigo com uma filha foram para a Irlanda. É sempre possível recomeçar. Mas no meu caso também, crescer longe da família ia-me fazer viver com muitos sentimentos de culpa.

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  2. Eu sei que não tenho essa coragem e admiro muito quem a tem. Já tive uma proposta para ir trabalhar para fora do país e recusei. Para além dos laços familiares e algumas amizades que são tão fortes como família, não tenho coragem de privar o puto de conviver com os avós. São memórias e carinho que ele vai guardar para sempre. E eu própria também sinto que preciso destes portos de abrigo por perto. E é por serem tão importantes que eu faço uma grande vénia a quem teve a coragem de fazer as malas e partir. No meu circulo de amigos foram vários. Demasiados. Também gostei deste teu texto.

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  3. Vivo em Paris ha mais de dez anos e escolhi vir para aqui porque queria viver experiências diferentes. De vez em quando apetece-me voltar para Portugal (principalmente depois de ter filhos), mas o que me apetece mais era mudar de pais, ir viver, por exemplo na Nova Zelândia. Gosto muito de ir a Portugal e como não trabalho, posso fazê-lo muitas vezes, mas penso sempre que ainda é cedo para regressar. Como se o conforto de viver perto da familia fosse para mim o equivalente ao conforto de uns chinelos quentes e de uma lareira no Inverno : precisaremos dessas coisas quando estivermos velhos. Até la... :)
    (A falta dos assentos é culpa minha, ainda não mudei de teclado).

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    1. Nova Zelândia deve ser maravilhoso :)
      O problema é que eu penso que quando estiver velha já a minha família como eu conheço já não existe. De qualquer forma, acho que isso depende do espírito de cada um. Tenho amigas que adoram a família mas têm alma de nómada, são realmente felizes a conhecer o mundo.

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