segunda-feira, 6 de março de 2017

A conspiração toxo-plásmico-cósmica

Numa entrevista, perguntaram à Elis Regina o motivo pelo qual ela achava que a canção Romaria tinha tido tanto sucesso. Ela riu-se com a sua típica gargalhada e respondeu que nós damos o tiro, mas quem mata é Deus. Desde que decidi engravidar, essa expressão nunca me saiu da cabeça. Pôr uma intenção, dependia de mim, mas se nascia uma criança dessa intenção, já me ultrapassava.

É importante manter isto em mente, se uma pessoa não quiser enlouquecer com a culpa de num momento de descontração pôr tudo a perder. Desde a primeira consulta, a obstetra explica as mil e uma formas com as quais vamos construir a nossa redoma de grávida: a toxoplasmose que nunca apanhámos a comer carnes mal passadas e a dormir com gatos, vai ser agora; aquela doença que nos põe a arder em febre, e que não temos há anos, vai ser agora; toda a fruta e salada que comemos em restaurantes e que nunca nos transmitiu nada, vai ser agora.

Não me posso cansar, o corpo está a mudar; não posso estar muito tempo sem comer, o bebé não gosta de quebras de açúcar; mas doces também não, olha a diabetes gestacional; não posso pôr qualquer creme, cuidado com os químicos no primeiro trimestre; nada de marisco, sushi e absolutamente, nada, nada, nada de morangos. E os fóruns e páginas sobre maternidade são infinitamente piores que qualquer médica ou enfermeira. Se uma pessoa se fiar em tudo o que lê, fica com a sensação de ser o centro do Universo, mas no pior sentido possível: o Universo está muito concentrado nesta tarefa de nos tramar.

E depois lembrei-me daquele livro: Os Bebés de Auschwitz. As três mães, que nunca se conheceram, engravidaram no início do pior momento das suas vidas. Por mero acaso foram-lhes dadas roupas muito largas quando entraram no campo de concentração e conseguiram esconder toda a gravidez dos funcionários alemães e das rondas do Mengele; passaram por um stress indescritível; fome à beira do suportável; extremo esforço físico (estavam em campos de trabalho); dividiram camas e dormitórios com pessoas doentes e por vezes à beira da morte; e por fim mas não menos importante, estavam a meio de uma guerra, longe do seu País, sem casa, sem família (sem pai da criança) e sem fazer ideia como a história delas e de meia Europa ia acabar. No entanto, sobreviveram a isto tudo e ainda entraram em trabalho de parto - nas condições de higiene menos aconselháveis e nas situações mais caricatas (uma pariu num carrinho de mão enquanto estava a ser levada de um campo para outro) - precisamente na semana em que a guerra acabava e os alemães estavam mais preocupados em fugir do que matar grávidas. Tinham que nascer, não é?

19 comentários:

  1. Vou guardar este post para futura consulta :)
    Beijos e óptima gravidez

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    1. vamos lá a ver se sou tão boa com a prática como com a teoria ;)

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  2. Não consigo deixar de relacionar estas duas ideias:

    "não posso pôr qualquer creme, cuidado com os químicos no primeiro trimestre;"

    "páginas sobre maternidade são infinitamente piores que qualquer médica ou enfermeira. Se uma pessoa se fiar em tudo o que lê.."

    Explica-me lá isso dos cremes, que a mim ninguém me disse nada até agora. Da primeira gravidez tinha uma médica super descontraída que nunca me "chateou" com o que eu não podia comer, excepto não aumentar muito de peso e o cuidado com os mal passados e mal lavados (mas sem dramas). Agora mudei de médico e este é todo super cuidadoso, em cada consulta repete-me os SETE grupos de alimentos que não posso comer (por exemplo, isso dos morangos a outra médica nunca me disse nada; desta vez até cogumelos estão excluídos) e todos os cuidados de higiene/nada de esforços físicos/stresses...

    isto para dizer que: mas é suposto andarmos a ver os rótulos dos cremes? é que ninguém me avisou nada e eu uso creme nívea ou barral como sempre. No máximo tenho cuidado (mas isso já tinha) para comprar os champôs que dizem que não têm parabenos.

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    1. :P

      A minha médica disse-me para não pôr cremes nenhuns no primeiro trimestre, nem mesmo cremes específicos para estrias e gravidez, porque era importante restringir o uso de químicos (recomendou-me usar óleo de amêndoas). Depois não haveria problema. Mas tenho uma amiga que está grávida agora e a médica dela disse lhe que pomos demasiados cremes para estrias e depois os bebés nascem com alergias na pele...isto não me fez muito sentido.

      A minha insistiu bastantes vezes durante a consulta nos morangos e em não ter febre. E depois eu pus-me a pensar "e cogumelos? e azeitonas?" É um sem fim de questões. Mais vale não comer nada :D

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    2. Aliás, eu estive a almocar com três amigas grávidas e as três tínhamos indicações diferentes. Isto é como as religiões.

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    3. hmmm (cofiar de bigodes imaginários)

      Essa das azeitonas já me ocorreu, embora médico não tenha especificado, mas ele diz que também não posso comer enlatados. Até agora fico na dúvida se "enfrascados" também entram (tipo grão, feijão..) ou seja, não cheguei a perceber qual é o mal dos enlatados (os químicos conservantes?? o facto de o recipiente ser de metal??)
      Mas eu como azeitonas na mesma.
      Febre já tive (aliás, em ambas as gravidezes).
      Os cogumelos fartei-me de os comer na primeira gravidez.

      Sobre os cremes: bom, para meu descanso de consciência, vou anotar mentalmente que acho que só lá para os 3 meses é que de facto comecei a pôr creme na barriga, porque eu sou um bocado desleixada com isso.
      Essa dos cremes para estrias e alergias no bebé também nunca tinha ouvido. Mas não corro o risco de sofrer desse mal porque (cof cof) eu em geral gozo bués com as pessoas que usam cremes para as estrias, porque acho que é tudo marketing e efeito psicológico para nos fazer gastar dinheiro em produtos caros que não têm efeito nenhum. Tipo "acção reafirmante que penetra realmente na pele", como vemos nos anúncios. Ah sim? como, o creme tem umas agulhinhas pequeninas que fazem buracos na pele para o creme se infiltrar nas várias camadas da pele e chegar às camadas que têm gordura? e depois, as agulhinhas transformam-se em mini aspiradores que sugam a gordura para fora???

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    4. mas espera, como vês eu não sou muito de fiar como autoridade na matéria, porque como vês ponho tudo no mesmo saco: cremes para estrias, cremes para celulite, cremes reafirmantes...etc

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    5. Olha vês, essa dos enlatados é nova :P Se calhar a NASA devia criar uns comprimidos de alimentação para grávidas, deve haver um nicho de mercado não? :D

      Eu tenho tendência a estrias, por isso já estou a contar que fique com elas. Tenho posto o óleo e agora creme depois do banho, mas chateia-me um bocado essa rotina.

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    6. yaaa! eu também achei esquisito os enlatados, nunca tinha ouvido nada sobre isso.
      Mas eu penso assim: das duas uma, ou digo que sim a tudo o que médico diz e faço como ele orienta, ou ponho-me a questionar e a duvidar e nesse caso teria de mudar de médico. Não faz sentido estar a ser seguida por um médico, e não seguir na prática as orientações dele.
      E não é como se os enlatados fossem um grupo nutritivo muito importante na nossa alimentação :P

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    7. Lá está, eu achei que a minha médica foi bastante assertiva e nada complicadinha. A enfermeira no centro de saúde também. Mas a net pá, a net é terrível. Desde a canela aos sumos naturais, tudo é um perigo.

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  3. Sinceramente acho que estão a apanhar pediatras ou muito verdinhos ou que não estão actualizados sobre as coisas.

    Essa dos gatos é só rídicula, não sei como esse mito ainda não acabou e acho uma vergonha médicos continuarem a difundi-la (o meu namorado é veterinário e diz que é um disparate: no limite um gato só era perigoso se andassem a comer fezes de gato doente.. não o fazem pois não?)

    Em relação à alface e cogumelos,cogumelos a ideia é por terem terra,mas se for bem lavado... (antes comiam e não apanharam pois não?)

    Eo sushi... o sushi não tem nada a ver com a toxicoplasmose (informem-se a sério).

    O que pode acontecer com o sushi ou com qualquer alimento é uma intoxicação alimentar se estiverem mal confeccionados, mal preparados ou mal reaquecidos, mas isso ACONTECE COM TODOS OS ALIMENTOS.

    Acho que é importante ter cuidados, mas acho que as grávidas devem é estar felizes e descontraídas =) Sem pressões e mitos infundados.

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    1. na parte da gravidez não são os pediatras, são os obstetras!! :)
      A minha opinião (agora que apanhei um médico super cuidadoso) é que todas estas recomendações são para jogar pelo seguro. Ninguém morre se não comer cogumelos, nem morangos, nem atum, nem sushi, nem carne mal passada, etc, durante nove meses.
      Não ligues quando as pessoas metem tudo no mesmo saco, a toxoplasmose, a bactéria da listeriose, as viroses gástricas. Julgo que os médicos nas consultas nos explicam tudo, se nós peguntarmos. Mas acontece que no fundo, ninguém quer saber de qual a razão por que não se pode comer, apenas queremos ter estas listinhas na cabeça para evitar esses alimentos.
      Eu por mim, estou-me bem a marimbar por não poder comer certas coisas, e por ter de realmente ter cuidado com os açúcares e gorduras para não aumentar de peso, e julgo que no fundo nenhuma grávida se importa realmente. Mas claro que em conversa, a gente gosta de se queixar, né? :P

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    2. O que eu sinto, é que estas restrições (alimentares e outras que falei em cima) criam uma cultura de medo, que se não tentarmos manter os pés na terra, nos pode tirar o prazer de estar grávida. Isso eu não quero que aconteça, até porque acho que é uma questão de perspectiva. No outro dia falei com a minha avó e a forma como a gravidez era vivida há 60 anos era completamente diferente. A gravidez era praticamente vivida às escuras até a criança estar cá fora. Hoje em dia temos mais exames, temos ecografias, temos conhecimento sobre parasitas e vírus, mas acho que isso deve ser transmitido de forma a dar-nos mais segurança de que levaremos a gravidez a bom porto e não a sensação de que tudo se pode perder num ápice.

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    3. Espiral, eu já pesquisei e tenho uma amiga engenheira alimentar que me informou de tudo, mas continuo com dificuldades em explicar :P

      Acho que a terra e tudo o que vem da terra tem realmente a ver com toxoplasmose como afirmas. Também falámos do assunto com o veterinário e a resposta dele foi a mesma que tu. Mas também já tinha pesquisado na net e tinha encontrado artigos bastante esclarecedores. No entanto a obstetra já foi mais cuidadosa, disse-me para não pegar na gata ao colo, o que ignorei. Tenho gatos desde criança, dormia com eles e se nunca apanhei toxoplasmose é porque não deve ser assim tão fácil. De qualquer forma o veterinário quis fazer análises à nossa gata para despistar Felv e aproveitámos para testar toxoplasmose e deu negativo. Estou completamente descansada em relação a ela.

      Em relação ao sushi tem a ver com um parasita (por algum motivo começámos a cozinhar alimentos :P), mas tanto na carne como no peixe é completamente resolvido se congelarmos antes a carne / peixe durante 24h (depois até se pode comer cru!). O peixe de mar também tem um risco acrescido por causa do mercúrio, mas só é um problema em zonas piscatórias que comem maioritariamente peixe. E pronto, esta é a missa que tenho por agora :D

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    4. sim, eu também já tive essas conversas com as gerações anteriores da família. Não concordo. Ou melhor, claro que é verdade o que elas nos dizem, com a tua idade já eu tinha parido não sei quantos crianços, e dava a mama a um, com mais três ou quatro a amarinhar pelo colo, e ainda esfregava a casa toda a pano, de joelhos no chão e lavava os lençóis mijados no tanque da aldeia com água fria no pino do inverno de uma aldeia nortenha. Tudo verdade. A não ser um pormenor. E as outras centenas de mulheres que adoeciam gravemente ou morriam e as milhares de crianças que não sobreviviam ao parto, ou que nasciam com graves problemas de saúde, etc.
      Não são realidades comparáveis. Antigamente era antigamente, e agora é agora.

      A felicidade da gravidez acho que tem a ver com a mentalidade da pessoa. Duvido que antigamente também não houvesse mulheres que stressavam e que ansiavam e que tinham medo que as coisas não corressem bem. Olha a Rainha Vitória. Reza a história (pelo menos segundo uma série que anda por aí na RTP) que ela passou a primeira gravidez inteira cheia de medo dos perigos do parto e de morrer.

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    5. Eu não fico maravilhada com a ideia dos 10 filhos que se criam uns aos outros e morrem uns quantos pelo meio. E não disse que preferia o antigamente, o que disse foi que tanto exame e conhecimento médico deve ser usado para nos tranquilizar e não para viver tudo com ansiedade sobre o que pode correr mal.

      (no outro dia também me falaram nessa história da rainha vitória :)

      e tive a ver o Fargo, o filme, e a polícia que anda a investigar tudo está super grávida e passa a vida a beber coca-cola :D )

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    6. ahahaha, sim, também tenho uma amiga já com dois filhos que é viciada em coca-cola e teve de negociar com a médica dela quantas coca-colas estava a autorizada a beber na gravidez.

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  4. Tem graça que nesta gravidez também me lembrei muito desse livro. Era uma espécie de absolvição sempre que cometia pequenos excessos. Em relação à toxoplasmose (também não estou imune) pensei muitas vezes que se em 40 anos nunca apanhei, por que carga de água é que, tendo agora mais algum cuidado, iria apanhá-la? Se há coisa que esta gravidez me ensinou é que as coisas acontecem por que têm de acontecer. É acreditar que a Natureza sabe o que faz.
    (olhando agora para as primeiras semanas desta gravidez, e tendo já lido tanta coisa sobre o assunto, eu diria que este bebé seria uma impossibilidade estatistica, com tanta coisa a concorrer para que não viesse a existir. E no entanto está aqui, saudável e perfeitinho)

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    1. :)))) e a não deixar a mãe dormir, como reza a tradição :D

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Digo eu de que: